sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Lucy

O vento marítimo fazia as árvores deitarem e se levantarem repetidamente naquela manhã, dando à praia uma visão nostálgica e sonolenta. Não que Lucy precisasse disso.
A garota apoiava-se em um tronco grosso e roliço jogado na areia, em uma posição entre sentar-se e acocorar-se. Seus olhos profundamente azuis refletiam o mar turbulento em uma visão convexa, multiplicando ainda mais a imensidão do que já parecia infinitamente imenso.
Seus pensamentos vagavam muito longe dali, na selva de pedras que a esperava à alguns quilômetros de distância. A quantidade incomum de mudanças em sua vida nos últimos dias estava literalmente tornando as coisas muito difíceis de visualizar. A verdade é que esse tipo de sensação sempre acompanhara Lucy, desde quando havia descoberto o porquê de não ter uma mãe como as outras crianças.
E agora, quando a garota completa dezoito anos, a progenitora resolve dar as caras e transformar tudo o que estava pacificamente arruinado em um vortex de caos novamente. Achava completamente injusto, com seu pai e com ela mesma, que depois de tanto tempo aquela mulher pudesse decidir participar de suas vidas tranquilamente, pisando nos anos de abandono como se eles nunca tivessem acontecido.
E como ela estava arrependida agora. Lucy sentia nojo dela, sem se importar com o que os outros pensavam sobre isso. Não é como se ela fosse sua mãe de verdade. A garota apertou com força uma das pedras que estavam sobre a areia, arremessando-a logo depois o mais longe que conseguia. Desviou o olhar para um grupo de pássaros que se bicavam gentilmente no ar.
Sentia-se sozinha, mais do que nunca. Aquela sensação de que ninguém a levava a sério corroia seus órgãos, abalava seus sentidos. Mesmo as pessoas em quem ela acreditava sem receios a decepcionaram, o mundo parecia estar de cabeça pra baixo e, ironicamente, só ela havia percebido.

Ela, que não era a Lucy nos céus com diamantes, nem a Lucy esquecida. Apenas Lucy, com uma série de títulos disponíveis não tão agradáveis nem tão poéticos. Uma garota comum, sem ter realmente o que mostrar para o mundo, havia percebido o que sua família perfeita e exemplar não conseguiu. Aqueles pensamentos a faziam rir de escárnio, um impulso quase doentio. Seus irmãos eram tão impressionantes, sua madrasta era tão responsável. Todos tão preocupados com a bastarda pequena e frágil.
A sutileza a abandonara e agora ela sabia que teria que mudar. Não poderia ser o brinquedinho de todos os outros, a bonequinha de porcelana isolada em sua abóbada. Aquele não era o seu papel na Terra, tinha certeza. Tinha que encontrar seu próprio caminho, e se isso significasse deixar aqueles que a prendiam pra trás, assim seria.

- Lucy? – A garota virou-se, acordando do transe. – Hora de irmos.
Seu pai a encarou por alguns segundos, sem entender o porquê de ela ainda estar sentada sem mover um músculo.
- Não. – Ela engoliu em seco, os cabelos loiros encaracolados esvoaçando. – Não tenho mais o que fazer em sua casa.

Uma das sobrancelhas do homem ergueu-se intrigada, e quando ele se preparava para falar, Lucy foi mais rápida.
- Vou ficar.