sábado, 23 de junho de 2012

no fim do mundo

A grama era vermelha.

Tão vermelha que por um segundo pensei estar sentado sobre a carne e o sangue de todos os seres que habitavam aquela fúria arenosa que antes chamávamos de lar. A brisa asfixiante fez dançar as árvores num ritmo fúnebre e intenso, estalando os galhos entre um assovio e outro e avisando a todo o nada que restou a falta de tempo que tinha aquele planeta.

É claro que eu nunca entenderia o que aquilo realmente significava. A máscara abria uma pequena fenda que projetava minha visão ao cenário abaixo da montanha escarlate, mas meus outros sentidos humanos já estavam há muito tempo defasados pela falta de glória que minha vida trespassara.

Encarei o topo dos longos cabelos escuros que esvoaçavam a minha frente com um inútil sorriso escondido pela desumanidade. O resquício de uma garota sonhadora brincava com suas mechas - já não tão belas como costumavam ser - na beira do abismo.

Virou-se subitamente. A face pálida arqueou as sobrancelhas enquanto uma lágrima removia por um momento a camada de poeira que a cobria. Já era tempo.

Não sei dizer exatamente o período em que nos olhamos. Nossos dedos cadavéricos de frio se entrelaçaram quando ficamso lado a lado encarando o desejo que nos unia. Chutei um pequeno seixo e o assisti dançar com o vento cortante lá em baixo, imaginando se meu corpo faria o percurso com a mesma leveza. Com um leve puxão, a máscara seguiu o seixo e eu senti o vento sobre a carne pela primeira vez em muito tempo. Alice apertou minha mão como um último aviso e então caímos para o Nada.

Ao menos foi nada por algum tempo.
Os corpos rodopiaram maleáveis pelo ar. As vestes cinzentas esvoaçavam frenéticas em torno dos membros esqueléticos que dançavam uma última dança, calma e suave, muito diferente do tango feroz que embalava as àrvores na superfície.

Quando vimos o fim do Nada, estremecemos. A terra se aproximava em grande velocidade, mas cada segundo durou milênios de insegurança e dúvida que só não me dominaram pelo calor vital que agora estrangulava uma de minhas mãos.
Olhei para Alice pela última vez. Seus lábios se abriam num sorriso doce e sincero, que me inundou com uma calma desoladora. Sorri de volta com os olhos molhados.

Rompemos o véu.

Os corpos contorcidos sobre a areia comprimida não eram nenhuma obra romântica, mas pela eternidade a Quimera e o Resquício de Sonho sorriram sorrisos de paz no vazio.