sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Névoa

Das frases largas e rédeas soltas
Dos risos altos e beijos cegos
De tudo: amor e seus companheiros
Enxergo apenas os contornos

E nos seus passos de mechas tortas
Bate o compasso da incerteza
Que desafia a natureza
De uma espécie que já é morta

Abro-lhe a porta;
Mas a audácia já embaça as janelas
A lábia ágil trespassa as frestas
E a sua presença é o que importa

Desponta a prova da vil crendice
Quando o poeta um dia disse
Que poesia também é névoa

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Solidão

Rabisquei:
Um pedaço discreto de papel
Procurando as linhas e a coragem
Que me faltavam para este escrito
Rabisquei:
O silêncio com um grito
Atravessado e inconstante
Rasgado feito minh'alma
Feito pedaço discreto de papel
Rabisquei:
Meu corpo com nanquim
Tentando encontrar assim
Um fim

E por fim amei
Por não mais suportar
Somente a ideia de amar

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Janela

Já não olho mais pela janela
Para ver o mesmo céu sem estrelas
Desiludir-me com a terra encharcada
E o mesmo muro alto e encardido

Fecho as aspas pesaroso
E passo a olhar só pra dentro
Inundado pela luz falsa
Que cega impiedosa junto ao tempo

Mas ainda assim sei que vive
Reprimida, bem no fundo
A vontade de escancará-la
E saltá-la inocente

Mais uma vez...

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A Primeira Lista


Blues da piedade – Cazuza
Vício – Cidadão Quem
Toda a forma de poder – Engenheiros do Hawaii
Hoje eu quero sair só – Lenine
Além do que se vê – Los Hermanos
Um girassol da cor de seu cabelo – Nenhum de Nós
Sonho de uma flauta – O Teatro Mágico
Marca Página – Sabonetes
Semáforo – Vanguart
Você é má – Zeca Baleiro
Canção pra não voltar – Banda Mais Bonita da Cidade


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domingo, 19 de junho de 2011

As Brinzimbungas Bruxuleantes de Mr. Green - 1.1


Ao som de Cherbourg - Beirut

[Primeira parte - Narrador situa-se na beira do palco, com as cortinas fechadas. Suas vestes são pretas e compridas, o rosto coberto por maquiagem branca, exceto as pálpebras, que possuem uma tinta preta impenetrável. Sorri de forma sarcástica, mas alegre.]

Esfacelaram-se inteiras as cores
Mergulhadas num rio de plutônio
Nelas cantam os sábios temores
De um vistoso palhaço Jacônio

Na fronte agora a coroa
Desenhada em ouro e marfim
Enegrece a nobre pessoa
A que todos chamavam de Green

[As cortinas sobem e o cenário fica à mostra. O lugar é um quarto luxuoso, digno de um rei. Green situa-se em frente a um espelho redondo que reflete toda a sua figura, coberta de panos cor de sangue, que contrastam bruscamente com o brilho amarelado de sua coroa e dentes. O homem está de costas para a cama de grande tamanho, o baú onde guarda seus trajes e a parede apinhada de quadros de palhaços e figuras circenses. Amélia, atrás da porta, traja um vestido longo e branco, que só não a faz parecer-se com uma noiva pelas bolsas pesadas sob os olhos.]

Mr. Green - [triste]
De que me adianta o ouro
As vestes de cetim bordô
Se como um ínfimo agouro
Em mim grita um triste pierrô?

Sou antagônico à liberdade
Sou a carne por trás da máscara
Ou seria a máscara minha verdade?
Verdade... [pensativo] Devolvam-me a verdade! [ensandecido]

[Subitamente batem à porta, fazendo o homem estremecer. As batidas secas e fortes ecoam por todo o quarto, seguidas por um pequeno empurrão que deixa à mostra os olhos cansados que espreitam do outro lado. Green encara a mulher amedrontado, encolhendo-se levemente.]

Amélia: [sarcástica]
Querem-te à mesa nesse instante
Se terminares as lamúrias a tempo
Engulas esse sentimental farsante
Ou verás teus desejos ao vento

[A porta se fecha de maneira estrondosa, seguida por um silêncio momentâneo. O palhaço volta a encarar o espelho, com mais pressa do que antes. O narrador volta, andando vagarosamente pelo quarto.]

E assim o pierrô tristonho
Apressou-se a de rei se fingir
Mal sabia que seu funesto sonho
Lá em baixo incansava-se a rir
E mentir...

[Fim da primeira parte do primeiro ato.]