quarta-feira, 4 de julho de 2012

A noite dos cacos esverdeados

Nos faróis amarelados você aponta
Pros versos que eu já esqueci
E rasga no peito palavras
E acordes menores em si

As grades que nos cercam são fundo
Pro mundo que imaginamos lá fora
Um céu em que voamos sem cruz
Muito além dos fios de luz

Pra longe do ódio que somos muito jovens pra sentir
Da cegueira dessa legião zumbi
Do grito dos afogados, dos jovens enterrados
Do medo e do sangue rubi

Mesmo gritando aos mil ventos
Nada além de nós mesmos
Vai nos tirar daqui

[poesia escrita mentalmente em um parquinho numa noite de sexta-feira, automaticamente sucateada pela autocrítica. A reencontrei no caderno e pensei: por que não?]

sábado, 23 de junho de 2012

no fim do mundo

A grama era vermelha.

Tão vermelha que por um segundo pensei estar sentado sobre a carne e o sangue de todos os seres que habitavam aquela fúria arenosa que antes chamávamos de lar. A brisa asfixiante fez dançar as árvores num ritmo fúnebre e intenso, estalando os galhos entre um assovio e outro e avisando a todo o nada que restou a falta de tempo que tinha aquele planeta.

É claro que eu nunca entenderia o que aquilo realmente significava. A máscara abria uma pequena fenda que projetava minha visão ao cenário abaixo da montanha escarlate, mas meus outros sentidos humanos já estavam há muito tempo defasados pela falta de glória que minha vida trespassara.

Encarei o topo dos longos cabelos escuros que esvoaçavam a minha frente com um inútil sorriso escondido pela desumanidade. O resquício de uma garota sonhadora brincava com suas mechas - já não tão belas como costumavam ser - na beira do abismo.

Virou-se subitamente. A face pálida arqueou as sobrancelhas enquanto uma lágrima removia por um momento a camada de poeira que a cobria. Já era tempo.

Não sei dizer exatamente o período em que nos olhamos. Nossos dedos cadavéricos de frio se entrelaçaram quando ficamso lado a lado encarando o desejo que nos unia. Chutei um pequeno seixo e o assisti dançar com o vento cortante lá em baixo, imaginando se meu corpo faria o percurso com a mesma leveza. Com um leve puxão, a máscara seguiu o seixo e eu senti o vento sobre a carne pela primeira vez em muito tempo. Alice apertou minha mão como um último aviso e então caímos para o Nada.

Ao menos foi nada por algum tempo.
Os corpos rodopiaram maleáveis pelo ar. As vestes cinzentas esvoaçavam frenéticas em torno dos membros esqueléticos que dançavam uma última dança, calma e suave, muito diferente do tango feroz que embalava as àrvores na superfície.

Quando vimos o fim do Nada, estremecemos. A terra se aproximava em grande velocidade, mas cada segundo durou milênios de insegurança e dúvida que só não me dominaram pelo calor vital que agora estrangulava uma de minhas mãos.
Olhei para Alice pela última vez. Seus lábios se abriam num sorriso doce e sincero, que me inundou com uma calma desoladora. Sorri de volta com os olhos molhados.

Rompemos o véu.

Os corpos contorcidos sobre a areia comprimida não eram nenhuma obra romântica, mas pela eternidade a Quimera e o Resquício de Sonho sorriram sorrisos de paz no vazio.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O Riso Desesperado do Desgosto

Sentei-me de pernas cruzadas sobre o lençol cheio de nós. As dobras dos meus dedos apertavam levemente a asa fina da xícara que espumava, uma linda peça da coleção de louças sujas prostradas ao acaso na escrivaninha. O silêncio e a meia-luz me apaziguaram de tal forma que quase esqueci que ela estava ali.

A principio, olhou-me de lado franzindo levemente os lábios, com aquele tipo de olhar que vira do avesso, mas seus passos decididos e graciosos me remetiam a uma expressão antiga muito diferente. Acocorou-se ao meu lado, os dentes extremamente brancos despontavam sob a boca avermelhada como punhais angelicais. Suspirei dolorido por já saber que a conversa era inevitável.

- Então, - sempre começava assim, floreios verbais não eram nem de longe seu forte – até quando pretendia me evitar?

Sorri com os olhos caídos. Descansando o chá com um leve clic no pires, encarei-a sem deixar de contrair as entranhas, a bile diluída em álcool corroendo-as feito veneno. A fuga na noite anterior fora de fato das mais covardes, dessas que as pessoas comuns costumam praticar periodicamente sem perceber. O fascínio da fantasia libertina me causara um fantástico alívio instantâneo, mas naquele momento, sentindo o mofo dos colchões se misturar com o suor etílico, tudo parecia tão estúpido e superficial que até a cova mais sórdida merecia mais que meus ossos.

É claro que já estava acostumado. Eterna sina dos insatisfeitos, aquele ciclo podia muito bem descrever o profundo marasmo que permeava minha vida nos últimos meses. Mesmo a dor mais excruciante e a vergonha mais desoladora, quando vivenciada diversas vezes pelo mesmo sujeito pode se tornar tão suportável quanto um dia nublado.

- Adiaria essa conversa enquanto fosse possível. – Disse por fim, com uma franqueza que realmente se agarrara a essa utopia. – Mas já esperava que me pegasse desprevenido.

Ela soltou uma gargalhada sarcástica e sonora, coçando o nariz em um movimento que certamente me faria rir em outra situação. Enxugando os cantos dos olhos que marejavam com aquela diversão de origem que eu desconhecia, deslizou as pernas para se acomodar na cama.

- Eu estava lá. – Seu tom súbito e sério me atingiu como uma chicotada nas ancas. – E és mais estúpido do que eu imaginava se conseguiu enganar-se ao ponto de acreditar que não. A máscara dos ébrios não é diferente de qualquer outra, não faz desaparecer a carne. Somente a esconde de um modo que não proteste, feito um covarde qualquer que mutila suas convicções em prol dos que o dominam. E assim, mutilando seu próprio ego, o ébrio destrói seus sentidos, recusando sua humanidade por não conseguir dominá-la.

Suas faces estavam rubras do sangue que fervilhava, as mãos trêmulas pelo discurso emocionado. Fitou-me por alguns minutos em completo silêncio, os olhos azuis penetravam nos meus que paralisados, já transbordavam lágrimas tímidas. Inspirou profundamente, erguendo-se com delicadeza para parar à porta.

- Essas decepções nada mais são que suas. Sinta por você mesmo e verás que o estrago é muito maior do que à primeira vista.

E dando-me as costas, girou a maçaneta como um arranhão e desapareceu no corredor enevoado. Como um sopro, como o fim de um surto que durou milésimos de segundos, acordei olhando para o chão encardido do quarto.

Fora arrebatado por minha própria consciência.

sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Névoa

Das frases largas e rédeas soltas
Dos risos altos e beijos cegos
De tudo: amor e seus companheiros
Enxergo apenas os contornos

E nos seus passos de mechas tortas
Bate o compasso da incerteza
Que desafia a natureza
De uma espécie que já é morta

Abro-lhe a porta;
Mas a audácia já embaça as janelas
A lábia ágil trespassa as frestas
E a sua presença é o que importa

Desponta a prova da vil crendice
Quando o poeta um dia disse
Que poesia também é névoa

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Solidão

Rabisquei:
Um pedaço discreto de papel
Procurando as linhas e a coragem
Que me faltavam para este escrito
Rabisquei:
O silêncio com um grito
Atravessado e inconstante
Rasgado feito minh'alma
Feito pedaço discreto de papel
Rabisquei:
Meu corpo com nanquim
Tentando encontrar assim
Um fim

E por fim amei
Por não mais suportar
Somente a ideia de amar

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

A Janela

Já não olho mais pela janela
Para ver o mesmo céu sem estrelas
Desiludir-me com a terra encharcada
E o mesmo muro alto e encardido

Fecho as aspas pesaroso
E passo a olhar só pra dentro
Inundado pela luz falsa
Que cega impiedosa junto ao tempo

Mas ainda assim sei que vive
Reprimida, bem no fundo
A vontade de escancará-la
E saltá-la inocente

Mais uma vez...

terça-feira, 23 de agosto de 2011

A Primeira Lista


Blues da piedade – Cazuza
Vício – Cidadão Quem
Toda a forma de poder – Engenheiros do Hawaii
Hoje eu quero sair só – Lenine
Além do que se vê – Los Hermanos
Um girassol da cor de seu cabelo – Nenhum de Nós
Sonho de uma flauta – O Teatro Mágico
Marca Página – Sabonetes
Semáforo – Vanguart
Você é má – Zeca Baleiro
Canção pra não voltar – Banda Mais Bonita da Cidade


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